Nem tudo cabe na caixinha prateada.

NÃO FOTOGRAFE!

Certamente, essa deveria ser uma recomendação disciplinar, de uma conduta educada e elegante em diversas situações. Estou certo de que todos já nos deparamos com uma câmera sendo disparada na hora errada, muito provavelmente atrapalhando a visão de alguma coisa interessante, que queríamos observar com os olhos. Ou percebemos que as pessoas estão dando mais atenção ao seu equipamento do que estão realmente vendo o que há de interessante para fotografar.

Com a, muito bem vinda, super popularização da fotografia, uma compacta virou acessório quase que indispensável em muitas ocasiões, com pessoas que simplesmente as carregam para todos os lados, como seus celulares. Sem falar nos próprios telefones com câmera, nos quais o sensorzinho está cada vez mais musculoso e presente em todo nível de sofisticação de aparelho. Isso faz com que nos tornemos um tanto escravos da “enorme necessidade” de registrar tudo, como se não tivéssemos uma cabeça para guardar as lembranças. Isso tudo impulsionados pelas comunidades de relacionamento na internet, que são inundadas de fotos, como se tudo o que fizessemos merecesse um making of.

Mas não é julgar esse comportamento que quero. Acho maravilhoso todos se interessarem por fotografia, pois, se tantos fotografam porque todos fotografam, uma parcela cada vez maior de gente vai se interessar pela arte fotográfica como um hobby sério, e até uma profissão. O que quero é alertar para o que perdemos enquanto estamos fotografando. O que deixamos de ver com os olhos e sentir com a alma. Os momentos que perdemos, e só vamos vibrar por eles quando revermos a imagem digital encaixotada e estática num monitor qualquer. Então ela já pode ter perdido bem a graça.

Em uma apresentação de alunos na escola da minha filha, me posicionei na segunda fileira de pais, todos em pé, na quadra para ver (e fotografar, claro) a molecada representar uma peça sobre reciclagem e meio ambiente. Levo nada mais do que minha pequena e pouco eficiente Coolpix para esse tipo de evento. Não estou indo trabalhar. Mas a minha frente haviam duas mães, que como a maioria, tinham suas caixinhas prateadas e luminosas às mãos. Uma filmava e a outra fotografava, mas ambas conversavam. Sei lá sobre o quê, mas em relação aos seus filhos o máximo que faziam era encaixá-los no LCD entre uma frase e outra. Não estavam vendo a apresentação! Não viam o que fotografavam ou filmavam, e pior, não estavam participando daquele momento com os filhos. Não estavam nem ai! Pareciam repórteres fotográficas e cinematográficas contratadas para levar os registros para assistir em casa.

dsc_0164

O que vale mais para um momento destes? Ver, ouvir, sorrir, vibrar e participar ou jogar tudo para uma pasta num HD para, quem sabe, revermos noutra hora?  Fazer dezenas de fotos de um belo por do sol para juntá-las às milhões existentes (102.701 resultados numa busca para o tag “por do sol” em português no Flickr, 781.000 no Google imagens, sem contar com a variante pÔr do sol ), ou respirar fundo e apreciá-lo na sua breve exibição?

dsc_7475

Não estou aqui levantando nenhuma bandeira revolucionária, nem me engajando numa filosofia antitecnológica (é assim que escreve agora?). Também já tive minha fase compulsiva. E por mais imperioso que seja o título deste post, não estou mandando ninguém jogar o seu equipamento no lixo reciclável. Apenas sugerindo um pouco de critério para não nos bitolar no impulso do “clique pelo clique”. Existem coisas bonitas para ver e guardar na memória também. E antes de querer guardar certos momentos para mostrar para as pessoas que não estão lá, vamos pensar se não vale mais viver o momento com aquelas que ali estão.

Isso, acreditem, será muito importante para podermos fotografar melhor. Pois precisamos aprender a observar e “ver” de fato. Ver não só o que nos salta aos olhos, mas ver o que ninguém vê. Porque está com pressa ou porque está regulando o programa da câmera.  Ver com a alma, para saber traduzir quando realmente formos fotografar, e então, poderemos fotografar diferente, com a alma também. Com a nossa visão, e não com o olho coletivo. De forma única e pessoal.

 dsc_9019

Pronto, agora podemos voltar a fotografar!